Categoria - policial

O Demónio na Cidade Branca

«O Demónio na Cidade Branca», de Erik Larson, exerce um estranho fascínio sobre o leitor. As realidades que descreve são tão distintas que é chocante imaginar que tenham ocorrido paralelamente, na mesma cidade, na mesma época, no contexto do mesmo grande evento. O relato de uma surge intercalado com o relato da outra ao longo de toda a obra, aumentado a sensação de incredulidade perante fatos reais mais estranhos do que a ficção. Por um lado acompanhamos a Feira Mundial de Chicago de 1893, desde os seus primórdios ao ruir do seu último edifício. Vale a pena regressar ao passado para conhecer este evento inaudito e prodigioso, que graças a um grupo de criadores visionários ergueu em pouco tempo, num terreno inóspito, uma conjugação impossível de prodígios arquitetónicos e paisagísticos nunca antes vista e nunca mais replicada. Para ali foram deslocadas aldeias inteiras de todos os confins do mundo, as quais conviveram entre si e com os visitantes durante vários meses, numa mescla de culturas impressionante.

Na outra face desta moeda move-se um criminoso em série ousado, determinado e absolutamente implacável, que se deleita em destruir todos aqueles que consegue atrair para a sua teia, graças a um charme irresistível. Para levar a cabo os seus desígnios constrói um hotel macabro perto da grande feira, destinado a atrair as visitantes solitárias e a fazê-las desaparecer sem deixar rasto. O número total de vítimas permanece por determinar mas independentemente do seu número, o legado de horror do doutor H. H. Holmes é indiscutível, alimentado pela crueldade macabra com que executou os seus crimes.

Título: O Demónio na Cidade Branca

Autor: Erik Larson

Editora: Bertrand Editora

Ano: 2014

O Rapaz Perverso

«O rapaz perverso», distinguido como livro do ano pelo The Guardian e pelo Sunday Times, é um justo merecedor deste reconhecimento ao oferecer um relato excepcional de um trágico crime real. Tal como no seu best-seller «As suspeitas do Sr. Whicher», Kate Summerscale efetua uma reconstituição histórica exaustiva e notável que nos transporta à Londres dos finais do século XIX. É aqui que, numa manhã indistinta, dois irmãos terão estado envolvidos no homicídio da própria mãe, uma mulher emocionalmente instável e pouco apoiada por um marido constantemente ausente.

A reconstituição do acontecimento transporta-nos a um drama familiar de grande intensidade, onde não falta o devido enquadramento proporcionado por uma época de extremas transformações sociais, na qual a classe trabalhadora começa finalmente a ter acesso a uma instrução básica através da massificação do ensino. Escolas sobrelotadas e impessoais transmitem conhecimentos rudimentares ao nível da leitura e da escrita a crianças que não encontram na família uma orientação ao nível dos gostos literários. Pequenos folhetins sensacionalistas, com histórias de crime e de terror, acabam por captar o interesse destes rapazes, tal como os jogos de computador e as redes sociais fazem actualmente com os jovens impressionáveis. Terá sido este interesse mórbido a inspirar um acontecimento macabro, que no entanto já se adivinhava em relações familiares tóxicas de angústia e insegurança.

No entanto, a história não termina com o julgamento e condenação do responsável. O hospital psiquiátrico de Broadmoor é a paragem seguinte desta obra que o apresenta como um improvável «paraíso dos assassinos», uma instituição vocacionada para a recuperação e não para a punição, que oferece condições de vida absolutamente inauditas mesmo nos tempos que correm. Mais tarde, a narrativa prossegue com um retrato impiedoso da violência sanguinária da Primeira Guerra Mundial, a qual vem a revelar os verdadeiros traços da personalidade do «jovem assassino». Afinal, as idiossincrasias do carácter humano, tão susceptível e vulnerável às circunstâncias, nem sempre permitem uma fácil distinção entre o bem e o mal.

 “Para ele, a mãe tinha-se tornado um monstro, como a serpente que Jack Wright enfrenta na gruta submarina”.


Título: O Rapaz Perverso

Autor: Kate Summerscale

Editora: Bertrand

Ano: 2017

 

O Xangô de Baker Street

O humor contagiante de Jô Soares transforma «O Xangô de Baker Street» numa obra absolutamente irresistível. Figuras históricas como D. Pedro II, Sarah Bernhardt e Chiquinha Gonzaga cruzam-se com um Sherlock Holmes peculiarmente desajeitado que corre o risco de perder a virgindade com uma mulata irresistível, símbolo de um Brasil rebelde que desafia a austeridade da Londres Victoriana. A realidade e a ficção misturam-se no ambiente delicioso do Rio de Janeiro oitocentista, onde o famigerado detective se debate com a busca por um serial killer com predilecção por jovens atraentes e violinos raros. À medida que os cadáveres das jovens horrivelmente mutiladas vão aparecendo pela cidade, Sherlock Holmes vai-se rendendo aos encantos dos trópicos enquanto procura desvendar o mistério que o ilude.

Sobressai no livro o retrato pitoresco de uma personagem literária tão celebrada. Em vez de se cingir ao original, Jô Soares cria a sua própria versão de Sherlock Holmes, uma versão menos genial mas infinitamente mais divertida do detective que fala português com sotaque lusitano, inventa a caipirinha, usa roupa extravagante e seduz jovens nos jardins públicos. As suas deduções estão longe da infalibilidade tradicional, mas o que perde em coeficiente intelectual ganha em inteligência emocional, o que lhe permite usufruir plenamente dos prazeres que a vida tem para lhe oferecer num mundo novo com tanto para descobrir.

 “O seu corpo começou a tremer, e subitamente, o impávido doutor Watson, ex-cirurgião do quinto regimento de fuzileiros de Nurthumberland, estava recurvado como um velho, rodopiando pela sala na tradicional postura de Omulu”.

Título: O Xangô de Baker Street

Autor: Jô Soares

Editora: Presença

Ano: 2013

As raparigas esquecidas

«As raparigas esquecidas» de Sara Blaedel não surpreende mas também não desilude. Cumpre na perfeição todos os requisitos do policial nórdico, com o seu estilo negro, directo e realista, desprovido de artifícios e floreados. Em 2015 mereceu o Gyldne Laubaer, o prémio literário de maior relevo na Dinamarca, graças a esta capacidade de se manter obedientemente fiel a um género sem perder a originalidade.

Através de uma narrativa cativante, que consegue manter o suspende nos limites de um ataque cardíaco, seguimos a investigação do homicídio de uma mulher de identidade desconhecida, encontrada abandonada numa floresta. Louise Rick, a agente da polícia encarregue do caso, representa na perfeição o ideal tipo do detective anti-herói, perturbado e moralmente ambíguo, que é a imagem de marca deste tipo de literatura. A investigação irá levá-la a explorar os meandros mais obscuros de uma instituição psiquiátrica estatal, o ambiente mais propício para se confrontar com os seus próprios fantasmas.

 

Título: As raparigas esquecidas

Autor: Sara Blaedel

Editora: Top Seller

Ano: 2016

O domador de leões

No mundo relativamente homogéneo dos policiais nórdicos, Camilla Lackberg distingue-se com um estilo muito peculiar. As crónicas familiares detalhadas e quase idílicas convivem com os crimes mais hediondos e terríficos, porque afinal tudo é humano, o amor, a amizade, a compaixão, mas também a inveja, o ciúme, a violência. Sem nunca deixar de ser verosímil, o enredo ganha intensidade e prende o leitor a cada página, sem ter que recorrer aos artifícios da acção constante. Enquanto as personagens vão calmamente buscar os filhos à escola ou os levam às aulas de equitação, fazem o jantar ou vão às compras, o leitor fica preso a algo indefinível que se está a passar nas entrelinhas, o não dito que se subentende. A descrição do quotidiano nunca aborrece, antes acrescenta profundidade e consistência às personagens enquanto adensa o mistério que se vai revelando gradualmente, em pequenas pistas discretas.

Em «O domador de leões», o casal maravilha composto pelas duas personagens centrais desta série policial, Erica, a escritora famosa que se dedica à investigação de crimes reais e Patrick, o competente e esforçado inspector da polícia, vê-se confrontado com várias raparigas desaparecidas, uma das quais acaba por aparecer terrivelmente mutilada, apenas para falecer antes de ter a possibilidade de revelar o que lhe sucedera. Neste livro, Camilla Lackberg vai mais além. Apesar da fórmula ser idêntica à dos livros anteriores, com os traumas do passado na origem dos crimes do presente, pela primeira vez estamos perante crimes em série que atravessam gerações e com uma história que fica em aberto, deixando no ar a possibilidade de uma sequela.

“O pior era a incerteza. Era como se um leão faminto andasse de um lado para o outro à espera da próxima presa”.

Título: O domador de leões

Autor: Camilla Lackbergleoes

Ano: 2016

Editora: Dom Quixote

 

Stalker

«Stalker», o quinto livro de uma fantástica série policial nórdica, mantém a fórmula dos seus antecessores sem se tornar repetitivo nem previsível. Capítulos curtos carregados de adrenalina e que se lêem compulsivamente de coração nas mãos são novamente a característica mais marcante de uma leitura que não desilude os apreciadores do género.

Desta vez, o famoso hipnotista Erik Maria Bark e o implacável investigador finlandês Joona Lina unem esforços na perseguição de um indivíduo de identidade desconhecida que assassina as suas vítimas de forma brutal, logo após divulgar pequenos vídeos que captou das suas vidas privadas, filmados através da janela sem que elas se tivessem apercebido da sua presença.  A polícia assiste impotente aos filmes sem ter tempo de identificar a vítima a tempo de evitar a tragédia, o que leva a desesperada comissária Margot Silverman a solicitar o apoio dos pouco convencionais Erik e Joona, que pensam e agem sempre fora da caixa das convenções sociais e dos rígidos procedimentos da burocracia policial.  Os resultados são imprevisíveis e surpreendentes, mantendo o suspense na sua intensidade máxima até à apoteose final.

“Erik é arrancado ao sono por uma aragem que lhe passa no rosto. Alguém fala muito baixinho e depressa. Quando ele abre os olhos, a voz cala-se. A escuridão é quase impenetrável e ele demora alguns segundos a perceber onde está”.

Título: Stalker

Autor: Keplerstalker

Editora: Porto Editora

Ano: 2016

 

A Estrela do Diabo

«A estrela do diabo» coloca Jo Nesbo alguns furos acima da generalidade dos seus congéneres nórdicos que se dedicam à escrita de policiais. As personagens são um pouco mais elaboradas e o enredo é consistente e fornece a dose certa de adrenalina, mas é o sarcasmo inteligente que marca a diferença, com algumas tiradas interessantes, bem escritas e oportunas a definirem o carácter de Harry Hole, o inspector atormentado que teima em caminhar na beira do precipício na companhia da sua inseparável garrafa.

A sua tendência auto destrutiva não o impede de perseguir eficazmente um inteligente serial-killer ao mesmo tempo que enfrenta um arqui-inimigo verdadeiramente detestável e irritantemente adulado por todos, que não lhe dá um minuto de tréguas. Pelo meio ainda tem tempo para ensaiar umas tiradas românticas, talvez a componente menos convincente do livro, por soar ligeiramente a cliché. No entanto, a impressão geral é bastante positiva. Quem aprecia este tipo de literatura certamente não ficará desiludido e corre mesmo o risco de se viciar nas desventuras deste detective pouco original, mas cativante.

“Para um alcoólico, a vida consistia entre estar-se bêbado e os intervalos entre estar-se bêbado. Qual dessas partes era a vida real era uma questão filosófica que ele nunca tivera tempo suficiente para examinar, já que, de qualquer maneira, a resposta não lhe possibilitaria uma vida melhor. Ou pior. Segundo a lei básica da vida de um alcoólico – A Grande Sede – tudo o que era bom, mesmo tudo, perder-se-ia, mais cedo ou mais tarde”.

Título: A estrela do diabo

Autor: Jo Nesbo

Editora: D. Quixote

A Estrela do Diabo

Jo Nesbo – A Estrela do Diabo

Ano: 2011

Segredos obscuros

Sebastian Bergman, psicólogo criminal antissocial e amoral, perseguido impecavelmente pelos traumas do luto e da dor, é a personagem central da série policial da autoria da dupla de argumentistas suecos, Michael Hjorth e Hans Rosenfeldt. «Segredos obscuros» inaugura a série com a investigação do homicídio macabro de um jovem de 16 anos que frequentava uma escola privada de grande reputação e prestígio. Caberá à equipa de investigação liderada pelo eficiente Torkel e assessorada pelo irrascível Bergman deslindar os segredos que se escondem por detrás de uma fachada de moralidade aparentemente inquestionável.

«Segredos obscuros» não desilude o apreciador de policiais nórdicos. Não sendo uma obra fabulosa de grandes aspirações literárias, cumpre na perfeição os requisitos do género em que se insere. O enredo é cativante e coerente e a escrita tem qualidade suficiente para produzir uma boa impressão no leitor mais exigente, que não se deixa convencer facilmente por reproduções de qualidade duvidosa.

“Sebastian Bergman era melhor do que aquilo. Mais do que qualquer outra pessoa, ele conhecia o significado dos sonhos; mais do que qualquer outra pessoa, tinha de conseguir elevar-se acima desses febris resquícios do passado”.

Título: Segredos obscuros

Autores: Michael Hjorth e Hans Rosenfeldt

Editora: Suma

Ano: 2015segredos

Um morto a mais em Resurrection Row

Anne Perry é uma escritora bastante produtiva que se dedica essencialmente à literatura policial de época. A série «Thomas Pitt», iniciada em 1979, foi o seu primeiro empreendimento e conta já com 30 títulos. A ação decorre no final da era vitoriana e cada livro acompanha a investigação de um crime pelo perspicaz inspetor Thomas Pitt, um homem competente de origens modestas que casou acima da sua classe num meio extremamente hierarquizado. Esta situação invulgar permite-lhe recorrer ao apoio da sua incansável esposa Charlotte, uma mulher inteligente e empreendedora que nos bastidores das classes mais abastadas recolhe subtilmente informação dificilmente acessível a um mero policial. Para além da trama policial, invariavelmente bem engendrada, o leitor encontra em cada livro um retrato pormenorizado e fiel de uma sociedade extremamente moralista, desigual e estratificada, na qual as diferentes classes sociais coexistem sem verdadeiramente interagir. A brutalidade da indigência elevada ao seu máximo expoente, numa sociedade pobre em direitos humanos e mecanismos de proteção social, choca ainda mais o leitor quando confrontada com o luxo extravagante dos privilegiados, que nem por isso estão imunes à corrupção, ganância, inveja e ciúme, motivações que frequentemente se escondem por detrás dos homicídios investigados.

«Um morto em Resurrection Row» é o quarto título da série e apresenta um intrincado e fascinante mistério. O cadáver de um lorde, recentemente falecido e devidamente sepultado, teima em aparecer nos locais mais estranhos, sem que se perceba a motivação de quem executa o ato macabro de desenterrar e expor um cadáver. Caberá ao perplexo inspetor Pitt deslindar discretamente o enigma, sem ferir a suscetibilidade de famílias proeminentes que não admitem qualquer intrusão na sua privacidade.

“Já ouvira falar de profanação de sepulturas, de roubo de cadáveres. Agora, porém, aperceba-se de que aquele homem extraordinário pensava que talvez fosse pessoal, deliberadamente dirigido contra Augustus… ou até contra ela!”

Título: Um morto a mais em Resurrection Row

Autor: Anne Perry

Editora: Gótica

Ano: 2005

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O triunfo de César

A série Roma Sub-Rosa, de Steven Saylor, acompanha as aventuras de Gordiano, o descobridor, e conta já com 15 títulos. Gordiano é uma personagem cativante, um detetive moderno que investiga intrincados mistérios nos últimos tempos da República Romana e nos concede a sua visão de uma sociedade fascinante que esteve na origem direta daquela em que vivemos hoje. Casado com uma antiga escrava egípcia e pai de quatro filhos, três deles adotados, investiga casos complicados de inspiração real a pedido de clientes abastados, alguns deles célebres.

Personagens marcantes atravessam-se no seu caminho, como Cícero, Catilina, Pompeu, Marco António. Em «O Triunfo de César», Gordiano investiga uma possível conspiração contra Júlio César a pedido de Calpúrnia, sua esposa. Os meandros das ferozes intrigas políticas revelam-se fatais num momento determinante da história romana, quando o ambicioso Júlio César dá o golpe de misericórdia na república e estabelece as bases do que virá a ser o império romano. Um interessante enredo policial, leve e descomprometido, que nos permite conhecer um pouco melhor um momento determinante da nossa história.

“Em circunstâncias normais, uma respeitável figura pública como Cícero não se gabaria de a filha estar prestes a dar à luz sem estar casada. Mas as circunstâncias tinham deixado de ser normais; vivíamos num mundo em que Calpúrnia consultava um adivinho e Cícero se tinha casado com uma adolescente desenxabida”.

Título: O triunfo de César

Autor: Steven Saylor

Editora: Bertrand

Ano: 2008

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