Ruth Rendell

Um lago de trevas

Martin Urban cresceu num meio privilegiado. Oriundo de uma família de classe média alta, nunca teve que se preocupar com as questões prosaicas da sobrevivência diária. Trabalha na empresa do pai, reside num apartamento confortável e instalou-se comodamente numa existência banal, livre de desassossegos e preocupações. A sua paz é perturbada quando um amigo do passado, por quem nutre uma atração física intensa e recalcada, o desafia a jogar no totobola. O prémio inesperado desperta a sua veia altruísta e decide empregar o dinheiro na ajuda a pessoas carenciadas. Mas o distanciamento que sempre teve relativamente a qualquer carência económica traduz-se nalguma insensibilidade perante as verdadeiras necessidades e motivações daqueles que o rodeiam, tanto os contemplados como os excluídos. As reações são inesperadas e o desenlace será fatal.

Com «um lago de trevas», Ruth Rendell demonstra mais uma vez que a literatura policial não é necessariamente uma literatura de segunda categoria. O enredo é deliciosamente tortuoso. As personagens, amorais, sinuosas e desesperantes, caminham inconscientemente para o abismo, empurradas pelas suas próprias pulsões e necessidades, e o leitor, que conhece as motivações de cada uma, assiste impotente ao seu descalabro.

“Era uma rapariga simples, despreocupada, que não costumava desanimar por muito tempo. Tim relevara-lhe uma ocasião que uma das coisas que lhe agradavam nela consistia no facto de não ter moral nem a noção de culpa”.

Título: Um lago de trevas

Autor: Ruth Rendell

Editora: Edições 70

lago


O melhor homem para morrer

«O melhor homem para morrer» é o quarto título da série protagonizada pelo inspetor Wexford, uma série que reúne 24 títulos publicados entre 1964 e 2013. Ruth Rendell afasta-se do registo denso das suas obras mais emblemáticas e envereda por um policial tradicional, que coloca um detetive perspicaz mas banal na pista do assassino de um camionista arrogante, prepotente e exibicionista, morto na véspera do casamento do seu melhor amigo. Pelo meio surge a investigação de um acidente de carro que vitimou o condutor e uma misteriosa ocupante que ninguém consegue identificar, um enigma difícil de desvendar que acaba por captar a atenção do infatigável inspetor.

O enredo é engenhoso e a leitura agradável, mas não apresenta a análise psicológica aprofundada a que a autora nos habituou. É um registo diferente, mais leve e descomprometido, que mesmo assim não deixa de valer a pena.

“Charlie dissera isto ao mesmo tempo que abria a carteira com grande aparato, tendo o cuidado de proceder de forma que todos os clientes do bar vissem bem o seu conteúdo”.

Título: O melhor homem para morrer

Autora: Ruth Rendell

Editora: Gradiva

melhor homem

Ano: 1985

Sentença em Pedra

Obra emblemática de uma grande senhora do crime, «Sentença em Pedra» é um triller psicológico genial que se lê compulsivamente da primeira à última página, apesar de Ruth Rendell revelar o desfecho logo no início da obra: uma família vai ser assassinada pela sua governanta. Contrariamente ao que sucede com o policial tradicional, não é a curiosidade sobre o final que prende o leitor, mas sim a forma como os acontecimentos se sucedem até àquele momento fatídico.

A família é feliz, aparentemente perfeita. Viveu sempre num mundo benevolente, isento de maldade. Todos os seus elementos são ricos, cultos, bonitos, bem integrados na comunidade onde os vizinhos os respeitam. Ironicamente, é essa inocência complacente que vai ditar a sua morte. Quando confrontados com a maldade, não a reconhecem. Confundem o isolamento da nova governanta com timidez, a sua frieza com reserva, a sua compulsividade com dedicação. E assim trazem uma psicopata para o seu seio, provocam-na com a sua boa-vontade inconsciente, despertam o monstro que se alberga naquele coração de pedra. Quando a inquietação finalmente surge, já é tarde de mais.

“Não houve piedade que a movesse, nem remorso. Não pensou em amor, alegria, paz, descanso, esperança, vida, pó, cinzas, desperdício, necessidade, ruína, loucura e morte, que tinha assassinado o amor e uma vida feliz, arruinado a esperança, desperdiçado força intelectual, acabado com a alegria, porque ela mal sabia o que estas coisas são. Não viu que tinha deixado cadáveres gritando por sepultura. Pensou que era uma pena aquela carpete tão bonita ter ficado naquela porcaria e ficou contente por nenhuma gota de sangue lhe ter tocado”.

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Título: Sentença em Pedra

Autor: Ruth Rendell

Editora: Gradiva

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