Autor - meiapalavrablog

Cidades Rebeldes

Nesta obra interessantíssima, David Harvey, eminente geógrafo marxista, entende o capitalismo enquanto um sistema predatório e monopolista que deve ser desafiado na cidade, plena de desigualdades mas igualmente de potencial revolucionário. O proletariado tradicional está obsoleto na sociedade contemporânea, pelo que o grito de revolta emerge em novos e dinâmicos grupos sociais que constituem uma força politica inovadora. Em parceria com as organizações de esquerda mais tradicionais, estes grupos heterogéneos que ultrapassam os meros interesses de classe serão capazes de se mobilizar em função de uma luta comum, constituindo um movimento anti-capitalista ao nível da cidade. Quando organizados em rede abarcando diversas cidades em diversos países, estarão prontos para desafiar o sistema capitalista como um todo. O ponto de partida para o processo revolucionário reside então na reinvenção e reorganização das cidades para a luta anti-capitalista, o que implica formas alternativas de urbanização, que permanece um meio para a absorção dos excedentes do capital e do trabalho num contexto altamente especulativo.

Assim se resumem, mas não se esgotam, as ideias principais desta obra ainda por traduzir em Portugal. Uma leitura interessante para além do universo académico, dado que tem exercido uma influencia considerável ao nível das entidades e cidadãos que se mostram preocupados com os efeitos mais nefastos do sistema capitalista. Convém ter presente a afiliação marxista do autor, o que justifica algum apego à hierarquia e à ação institucional.

“The party’s favored slogans of freedom and liberty to be guaranteed by private property rights, free markets, and free trade actually translate into the freedom to exploit the labour of others, to dispossess the assets of the common people at will, and to pillage the environment for individual or class benefit”.

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Título: Rebel Cities

Autor: David Harvey

Editora: Verso

Ano: 2012

Dora Bruder

Um anúncio publicado num jornal antigo é inadvertidamente descoberto pelo narrador. Revela um casal judeu que procura a sua filha adolescente desaparecida durante a ocupação nazi. Durante décadas tentará reconstituir os passos desta jovem que no desabrochar da vida viu o universo fechar-se implacavelmente à sua volta. Procurava sem dúvida evadir-se para um mundo real ou imaginado, daí as fugas sucessivas do internato e do pequeno quarto de hotel onde vivia com a família. Nunca o encontra. Esse mundo deixara de existir para os judeus parisienses de então. Os seus caminhos afunilam-se gradualmente até restar apenas um único destino possível, Auschwitz. É lá que por percursos diversos todos os elementos daquela reduzida e desamparada família irão desaguar, num derradeiro e trágico reencontro.

Tudo o que se disser sobre o holocausto nunca será suficiente para descrever aquele acontecimento tenebroso, um dos mais negros da história da humanidade. Patrick Modiano, prémio nobel da literatura em 2014, contribui de forma sublime para este esforço de reconstituição. Enquanto o narrador percorre as ruas do seu presente evoca o passado da ocupação, quando aquelas ruas, aquelas árvores, aqueles edifícios ou outros entretanto destruídos, testemunharam o horror do que o homem foi capaz de fazer ao homem.

“Conviria saber se estava bom tempo nesse 14 de dezembro, dia da fuga de Dora. Talvez fosse um domingo aprazível e ensolarado de inverno como muitos outros em que um sentimento de desafogo e eternidade nos invade – o sentimento ilusório de que o curso do tempo está suspenso e que basta deixarmo-nos escorregar por esta brecha para escapar ao tornilho que voltará a fechar-se sobre nós”.

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Título: Dora Bruder

Autor: Patrick Modiano

Editora: Porto Editora

Ano: 2015

O Grande Manuscrito

«O Grande Manuscrito», da autoria do escritor sérvio Zoran Zivkovic, vencedor do World Fantasy Award, é uma agradável e descontraída leitura que conjuga os géneros policial e fantástico. Acompanha as aventuras de um inspetor da polícia bibliófilo em busca de uma escritora desaparecida de um apartamento vazio e fechado por dentro. O mistério adensa-se à medida que a história avança, com uma seita secreta e implacável em perseguição da sua última obra, a qual supostamente concede a imortalidade ao seu primeiro leitor. Os livros são os principais protagonistas deste intrincado enredo em que os enigmas inexplicáveis se vão somando até à apoteose final, quando tudo é finalmente desvendado num desfecho agradavelmente inesperado.

Adverte-se o potencial leitor de que esta obra é a sequela de uma outra, «O Último Livro», facto que infelizmente não consta da sua capa. É aconselhável ler as obras sequencialmente, pois estão de tal forma interligadas que se começa pelo «Grande Manuscrito», vai perder acontecimentos relevantes para a história.

“Já tinha decidido prosseguir quando, de repente, tive um mau pressentimento. Não foi provocado por nada no exterior. Nada perturbava aquela escuridão impenetrável, nem chegava qualquer som aos meus ouvidos. Mas, mesmo assim, tive a clara sensação de que já não estava sozinho naquele pequeno lanço de escada. Parecia que alguém corria escada abaixo, junto ao corrimão do outro lado”.

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Título: O Grande Manuscrito

Autor: Zoran Zivkovic

Editora: Cavalo de Ferro

Ano: 2015

Ressurreição

«Ressurreição» acompanha um nobre na sua busca por redenção face a um pecado cometido na juventude, a sedução de uma empregada que em resultado do sucedido acaba despedida e forçada a recorrer à prostituição. Anos mais tarde, reencontra-a ao ser convocado para jurado no seu julgamento por homicídio, do qual é injustamente acusada. Confrontado com as consequências trágicas do seu ato passado na vida daquela mulher, sofre uma revolução espiritual.

Esta obra tem a particularidade de ter sido o último e menos reconhecido romance de um dos grandes escritores de sempre, Lev Tolstoi. É interessante ver onde chegou em fim de vida um autor que na meia idade escreveu obras de referência da literatura universal como «Guerra e Paz» e «Anna Karenina».  Na velhice Tolstoi não é mais o mesmo, graças a um carácter reflexivo e observador que o levou a questionar, e a questionar-se, constantemente, livrando-o da feliz imutabilidade que caracteriza os espíritos menos inquietos. Este Tolstoi em fim de vida, e que certamente mais mudaria se mais vivesse, renega os seus grandes romances por não cumprirem a função que agora considera primordial – a consciencialização dos leitores.  Na sua perspetiva, o romance deve transportar quem o lê a um mundo ficcional à superfície, mas real no seu enquadramento, para que através da empatia criada com as personagens tome contacto com realidades e problemas sociais aos quais não deve ser alheio.

Esta perspetiva não agradou a leitores e críticos, que em vez do romance belo e profundo que as obras anteriores fariam antecipar, encontraram um texto que remete constantemente para reflexões de carácter moral, social e filosófico. Apesar da receção desfavorável, é um romance magnífico. As reflexões são intemporais, sempre tendo em conta o devido contexto, e revelam uma sensibilidade e capacidade de análise extraordinárias. O questionamento é sem dúvida incómodo, e no caso de Tolstoi levou-o a renegar a condição de nobre proprietário e  a abandonar a sua casa, família e bens, tendo vindo a falecer pouco depois numa estação de comboios, de pneumonia. A ausência de questionamento é bastante pior, pois desagua necessariamente na pobreza de espírito.

 “Todos nós que nos entregamos a uma atividade qualquer precisamos de considerá-la importante e razoável para podermos trabalhar. Portanto, seja qual for o nível em que estacione, o ser humano constrói imediatamente uma conceção da vida e nela insere a sua ocupação, que por instinto considera necessária e razoável. Imagina-se a maior parte das vezes que um ladrão, um traidor, um assassino ou uma prostituta se envergonham da profissão que exercem ou, pelo menos, que a consideram má, mas na realidade isso não sucede. Os homens a quem o destino ou os pecados colocaram em situação definida, por mais imoral que ela seja, arranjam maneira de conceber a vida em geral de forma a que a sua situação lhes apareça como legítima e admissível – e para conservarem esse modo de ver apoiam-se instintivamente nos que se encontram em idênticas condições, nos que concebem a vida com o mesmo critério e que ocupam também situações claras mas anormais. Admiramo-nos de ver ladrões jactarem-se da sua habilidade, prostitutas da sua corrupção e assassinos da sua insensibilidade, mas isso acontece porque estas espécies de indivíduos são restritas, porque se movem em círculos e atmosferas que não têm contacto com os nossos. Já não nos surpreende, por exemplo, ver homens ricos orgulharem-se da sua riqueza – muitas vezes conseguida à custa de roubo ou usurpação, – ou poderosos do seu poder, que não raro significa violência e crueldade. Não notamos a maneira como a conceção natural da vida é desvirtuada por esta gente, assim como o primitivo significado do bem e do mal, e não só o não notamos, como também não nos admiramos. E isto unicamente porque o número daqueles que partilham esta perversa conceção da existência é grande, e porque nos achamos compreendidos nesse número”.

Post parcialmente retirado do meu antigo blog: http://cam_as_i_am.blogs.sapo.pt/

Está disponível uma edição mais recente, de 2010, da Editorial Presença. A foto aqui apresentada não é a da edição da Editorial Minerva, que já é antiga e está em mau estado.

Ressurreição

Título: Ressurreição

Autor: Lev Tolstoi

Editora: Editorial Minerva

Ano: 1965

Mil novecentos e oitenta e quatro

Já muito se disse de «Mil novecentos e oitenta e quatro», a mais celebrada utopia negra, a par do «Admirável Mundo Novo», de Aldous Huxley. Mas um blog dedicado a livros, que ainda por cima tem a pretensão de apresentar boas propostas literárias, tem que correr o risco de ser redundante ao apresentar mais uma vez esta obra fantástica da autoria de George Orwell. O enredo é aparentemente simples: num futuro hipotético, um regime totalitário e personalista subjuga implacavelmente os seus cidadãos. Quatro ministérios – do Amor, da Verdade, da Abundância e da Paz; três classes sociais rigidamente delimitadas – superior, média e baixa; uma nova língua telegráfica e um líder omnipresente, definem o mundo redutor em que o personagem principal se move.

A sua função no esquema das coisas é emblemática: rever documentos históricos com o objetivo de adequar o passado às necessidades do presente, o que implica eliminar personalidades que não se adequam à visão do mundo imposta pelo regime. Eliminar não fisicamente, mas da memória coletiva: apagar registos e referências, anular para sempre a sua existência, da forma mais absoluta e irremediável. Neste clima claustrofóbico não há lugar para devaneios ideológicos ou sentimentais, como este incauto funcionário irá perceber. E, tal como ele, também o leitor ganha consciência das brutais implicações do totalitarismo, um fenómeno bem real e infelizmente recorrente na história da humanidade.

 “ Vulgarmente, as pessoas que incorriam no desagrado do Partido desapareciam, pura e simplesmente, nunca mais se ouvindo falar delas. Nunca restava o menor indício do sucedido. Nalguns casos, podiam nem ter morrido. Sem contar com os seus pais, Winston conhecera talvez umas trinta pessoas que em dado momento desapareceram”.

Título: Mil novecentos e oitenta e quatro

1984

Autor: George Orwell

Editora: Antígona

Ano: 1999

As Esganadas

O livro brasileiro de ficção mais vendido em 2012 é uma surpresa muito agradável. Jô Soares transporta-nos para o Rio de Janeiro do final dos anos 1930, onde uma série de bizarros homicídios são cometidos por um serial killer de gosto muito peculiar. As vítimas são mulheres obesas e a arma do crime… doces portugueses! Estão lançados os dados para uma divertida caça ao criminoso protagonizada por uma original equipa de detetives que contam com o apoio de uma bela e corajosa fotógrafa.

Neste invulgar e divertido romance policial o leitor não lê avidamente até à última página a roer as unhas até ao sabugo para saber quem é o criminoso, que lhe é revelado logo no início. Toda a narrativa se centra nas peripécias atabalhoadas da trupe detectivesca que reúne um ex-investigador português dado a grandes leituras a um trio de policiais brasileiros pouco convencionais. Com grande mestria Jô Soares diverte o leitor com crimes macabros passados no Brasil do Estado Novo, não deixando de fazer referência a pormenores históricos curiosos, como uma corrida de automóveis em que participou Manoel de Oliveira.

“A gorda é a última freguesa a deixar o tradicional chá a tarde na confeitaria Colombo. Segue pela Gonçalves Dias em direção à rua do Ouvidor. A sua bata branca é amarelada pela infinita quantidade de molhos e caldos nela derramada. Farelos antiquíssimos apegam-se como náufragos desesperados aos babados da blusa. A gorda é bela, bela e voraz”.

Título: As Esganadas

esganadas

Autor: Jô Soares

Editora: Editorial Presença

Ano: 2013

Ventos do Apocalipse

Num país assolado pela guerra e pela seca, a necessidade extrema empurra um grupo de aldeões para uma busca desesperada e inglória por melhores paragens. Inglória porque a desgraça de que fogem os persegue implacavelmente, ou mesmo os precede no seu caminho, semeando a fome, a doença, a violência e a morte. Os 4 cavaleiros do apocalipse desceram à terra e semeiam a destruição, deixando pouca margem para a esperança. Apesar disso, a natureza humana consegue fazer a sua aparição e ainda há espaço para o amor abnegado e para a solidariedade, mas também para a maldade, a inveja e a raiva. É neste cenário que as personagens se movem em busca de um inatingível ideal – a Paz, sobre a qual consigam reconstruir as suas vidas arruinadas.

É assim que o segundo romance de Paulina Chiziane, «Ventos do Apocalipse», nos transporta à dura realidade da guerra civil moçambicana. A autora, que durante a guerra trabalhou na Cruz Vermelha, testemunhou os seus horrores e transpô-los para este livro magnífico mas perturbador, onde a perspetiva feminina está sempre presente: “os estereótipos colados à imagem da mulher funcionaram muito bem nesta guerra, na qual participaram de uma forma muito cruel. E ninguém deu por isso. Quando eu digo que as mulheres são invisíveis, são-no em todos os aspetos. Neste livro, descrevo essa parte horrível da guerra, mas não descrevi tudo. Há coisas que jamais terei coragem para escrever”.

“O arrefecimento da terra virá com a chuva que apagará o fogo das lanças dos cavaleiros do céu. Nesse tempo, a força das mãos fará renascer das veias a razão da existência, mas quando? Os homens estão quase resignados e definham ao gosto do diabo. Fugir para onde? Os caminhos para a luz estão armadilhados, o pobre ser humano gira à volta de si mesmo no interior da armadilha tecida pelos seus semelhantes. Resta apenas um caminho: assinar o divórcio com a vida e transformar-se em poeira que o vento fará levantar, até ao farfalhar edénico das palmeiras”.

Post retirado do meu antigo blog: http://cam_as_i_am.blogs.sapo.pt/

A citação da autora estava disponível num link que já não se encontra ativo mas que optei por manter por me parecer relevante: http://www.ccpm.pt/paulina.htm

apocalipse

Título: Ventos do Apocalipse

Autora: Paulina Chiziane

Editora: Editorial Caminho

Ano: 1999

O homem que via passar os comboios

Georges Simenon foi um escritor excecionalmente prolífico que publicou perto de 200 romances, para além de numerosos artigos, contos e novelas. Neste caso, a quantidade não foi inimiga da qualidade, como demonstram as inúmeras obras em que figura a personagem mais emblemática que criou, o comissário Maigret. Os pequenos livros que seguem as suas investigações transportam-nos a cenários maravilhosamente descritos de forma sucinta, pequenas localidades, aldeias, zonas urbanas com um ambiente muito próprio. É ali que Maigret faz a sua observação participante, como um antropólogo em pleno trabalho de campo. Instala-se na pensão local, frequenta o café, passeia pelas ruas e observa os intervenientes que ocasionalmente questiona. E assim, de forma metódica e persistente, desvenda as motivações e os conluios que se escondem em cada crime. São histórias fantásticas na sua aparente simplicidade, indispensáveis para qualquer amante de policiais.

«O homem que via passar os comboios» não tem Maigret como figura principal, mas ultrapassa a qualidade a que esta personagem nos habituou. É uma profunda obra psicológica passada na perspetiva do criminoso, um homem aparentemente normal, respeitável, plenamente integrado na sociedade, que quando confrontado com um acontecimento perturbador opta por enveredar por uma vida de crime. É com alguma incredulidade e bastante deleite que o leitor acompanha esta metamorfose inaudita, que explora brilhantemente os meandros mais negros da mente humana.

“Logo, Kees sonhara vir a ser outra coisa que não Kees Popinga. E era justamente por isso que ele era tão Popinga, que ele o era demasiado, que ele exagerava, porque sabia que, se cedesse num só ponto, nada mais o susteria”.

Título: O homem que via passar os comboios

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Autor: Georges Simenon

Editora: Público – coleção mil folhas

Ano: 2002

Almas Mortas

Na Rússia do século XIX um indivíduo astuto e ganancioso compra pessoas já falecidas. Este exercício macabro tem uma finalidade bastante pragmática: conseguir terras cedidas pelo autocrático governo russo em função do número de servos que se detinha. Enquanto ainda figurassem nos censos, os mortos valiam como vivos, uns e outros meras coisas, objetos indiferenciados, bens transacionáveis, parte integrante das propriedades dos seus senhores, sem qualquer valor sentimental ou o respeito devido à pessoa humana. Os proprietários coniventes, que beneficiam da transação, vão desfilando ao longo do livro numa triste caricatura da mesquinhez daqueles que apoiados numa rígida hierarquia social se regozijam da sua superioridade. A eles se juntam os funcionários corruptos de uma burocracia caduca, completando o quadro de uma sociedade decadente.

«Almas Mortas» é uma sátira brutal e impiedosa, interrompida pela morte do seu autor, que deixou em aberto um final que se adivinha. É, sem dúvida, uma obra maior da literatura mundial, escrita por um dos maiores escritores de todos os tempos. Para ler, reler e sobretudo refletir, porque a história tem o mau hábito de se repetir.

“Não se pode dizer que Tchítchikov tenha roubado, mas sim que se aproveitou. É que cada um de nós se aproveita de alguma coisa: este, da floresta pública; aquele, dos dinheiros públicos; o terceiro rouba os próprios filhos a favor de uma atriz em digressão; o quarto rouba os camponeses para comprar móveis Hambs ou uma caleche. O que se pode fazer se são tantos neste mundo os chamarizes? Restaurantes não só caros mas com preços loucos, bailes de máscaras, festas, danças com ciganas. Como pode alguém conter-se se toda a gente, por todos os lados, faz o mesmo e se também a moda assim o exige – tenta lá conter-te! Até porque é impossível à pessoa conter-se eternamente. O homem não é Deus. Assim, também Tchítchikov, à semelhança dessa gente que por toda a parte se multiplica e adora toda a espécie de confortos, virou o bico ao prego em seu próprio proveito”.

Título: Almas Mortas

almas

Autor: Nikolai Gogol

Editora: Assírio e Alvim

Ano: 2002

Jaime Bunda

A boa literatura não é apenas composta de grandes obras, densas e profundas. O universo literário é tão vasto quanto os diversos estados de espírito dos leitores, daí a sua riqueza e o fascínio que exerce naqueles que se deixam seduzir pelos seus encantos. «Jaime Bunda» é um companheiro muito agradável para os momentos mais descontraídos, tão agradável que os dois livros que Pepetela escreveu com esta original personagem sabem a pouco. É difícil não desejar continuar a seguir as peripécias deste avantajado detetive, que cativa com o seu estilo desajeitado e ingénuo.

No peculiar ritmo angolano, um país em transformação, pleno de idiossincrasias e contradições, serve de cenário às aventuras mirabolantes de um detetive fascinado por romances policiais. Jaime Bunda faz um esforço atabalhoado para deslindar complexos enigmas, tão intrincados quanto as redes da corrupção e injustiça que marcam a sociedade do seu país. Pois apesar do tom satírico e aparentemente leve dos livros, a crítica social está lá, nas entrelinhas.

“JB despejou o copo de vinho tinto, maneira de limpar as vias de entrada para a caldeirada. Com indisfarçável prazer. Nicolau suspirou de alívio, finalmente o grande detetive gostara de alguma coisa. E ficou concentrado no prato para acompanhar o ritmo de Jaime Bunda em plena e espantosa missão de esvaziar em tempo recorde a panela de caldeirada, pedindo mais para poder servir de conduto aos dois funges de que entretanto se servira. O chefe local dos SIG não sabia se nova panela significava aumento da despesa ou se fazia parte da conta, mas pouco lhe interessava, o serviço nunca fora tão mesquinho ao ponto de analisar à lupa o que se comia em refeições de trabalho, ainda por cima com visitantes ilustres. Não diziam que os SIG estavam fora do Orçamento Geral do Estado? O dinheiro saía de um qualquer saco azul. Portanto, também ninguém controlava despesas menores. E provavelmente nem as maiores, mas isso era blasfémia que só se permitia pensar de boca aferolhada”.

Título: Jaime Bunda agente secreto

bunda

Autor: Pepetela

Editora: Dom Quixote

Ano: 2001

Título: Jaime Bunda e a morte do americano

Americano

Autor: Pepetela

Editora: Dom Quixote

Ano: 2003